Ao jornalismo tradicional, um divã

Por Gabriel Ferreira

gabO jornalismo tradicional foi visto estirado em um divã na manhã desta sexta-feira (30/09). Fontes próximas a ele revelaram que alguns – longínquos – problemas pessoais têm lhe causado uma crise de identidade, que expôs suas complexas inquietudes à flor da pele. O quê, quem, quando, onde, como e por que.

O jornalismo tradicional se faz um corpo em combustão; aparenta estar à beira de uma implosão, se é que tal processo já não aconteceu. A impressão é que tal processo corre em continuidade nos últimos anos. Sabe, há algum tempo, que se deixou levar quando alguns amigos, colegas e conhecidos lhe elogiavam quanto a sua imparcialidade e objetividade. Tais elogios eram conveniência ou ilusão? O jornalismo tradicional nasceu em berço político; surgiu entre o Império e a República Velha e foi na sua juventude criado com café-com-leite, em um país no qual a democracia ainda nem era procurada. Eis a resposta.

Como alternativa, emerge o jornalismo independente ainda durante o período ditatorial. Jornais como O Pasquim, Opinião e Cadernos de Terceiro Mundo se faziam como opção à grande mídia, na qual a grande maioria dos veículos apoiou em coro o golpe militar. O segmento tem crescido nas últimas décadas à margem dos conglomerados mediáticos e, atualmente, coletivos e grupos como A Pública, Brio, Ponte Jornalismo, Mídia Ninja e Think Olga destacam-se na proposição de novas narrativas, perspectivas e um agendamento diferente do usual.

“Talvez sejam, sim, símbolo de um novo momento. Um momento em que há a possibilidade de novos veículos surgirem, com novas ideias, sem necessariamente que outros desapareçam. Não é uma substituição”. As palavras são de Conrado Corsalette, cofundador e diretor de redação do Nexo Jornal, o qual desponta como um dos principais veículos independentes nos dias de hoje. Como o próprio Conrado afirma, “o Nexo é um jornal de explicação, de contexto, que tem a clareza como objetivo central. Dessa forma, leva em conta a melhor maneira de contar uma história”.

O jornalismo independente poderia ser entendido no contexto de pós-moderno, enquanto a pós-modernidade fosse compreendida como um desaparecimento de fronteiras ou, então, como a proposição de novos valores, sem que fossem categorizados ou vestidos de um determinado estigma. “Algo novo só pode surgir se de fato trouxer algo novo, seja na abordagem, seja na linha editorial. Não sei se isso se transforma automaticamente numa autocrítica do jornalismo como um todo. Mas esses novos veículos, de certa forma, ocupam um espaço desocupado. Fazem coisas que não são vistas na grande imprensa”. Há de se observar que não se trata de uma substituição ou uma autocrítica, como respondeu o diretor de redação do Nexo quando perguntado.

Outro dilema do jornalismo tradicional é a supressão do espaço e do tempo, principalmente após o acentuado crescimento da utilização das redes sociais nos últimos anos. A instantaneidade ainda é um obstáculo, assim como o aspecto financeiro, seja no jornalismo tradicional ou independente. Conrado acha que o dilema está colocado em três pilares: “financiamento para trabalhar, ter boas ideias e capacidade de executá-las. A questão financeira é importante. Afinal, para que bons profissionais se dediquem a alguma atividade é preciso que eles sejam remunerados de forma adequada. Mas não é a única”.

Uma das principais diferenças entre o que se faz tradicionalmente e o que se faz de maneira independente no jornalismo é a busca por representatividade. Coletivos como o Nigéria, Negrada e o Think Olga têm o objetivo de empoderar movimentos sociais como o LGBTTQI, o movimento negro e o movimento feminista. “Acho que a busca por representatividade, a busca por direitos civis, por direitos humanos como um todo, está no nosso zeitgeist”, diz Conrado Corsalette. O termo alemão zeitgeist quer dizer “espírito de determinada época”. O cofundador do Nexo completa dizendo que “é claro que muita gente ainda não entendeu isso, o que deixa marcas indeléveis na sociedade. Mas aqui fica um palpite: os novos veículos de comunicação colocam o tema mais em pauta porque talvez estejam dentro do zeitgeist”.

O jornalismo independente emerge hoje como “novo” do mesmo modo como um dia emergiu o jornalismo tradicional– à época, não tradicional –; o tradicional, como instrumento de fiscalização e fomentador da discussão em esferas públicas. Não é segredo, nem para os românticos, que a atual conjuntura se mostra como uma das mais críticas. Fala-se em “jornalismo de Facebook” e publicam-se inúmeros fait divers, ao passo que as reportagens são artigos de raridade. O jornalismo tradicional precisa de um divã, seu inconsciente fala por si só.

 

 

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